quarta-feira, 30 de abril de 2014

TENENTE FERNANDO – SETENTA ANOS DESAPARECIDO (7)


As mudanças que o tenente não viu.

Lúcio Albuquerque

Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da Academia de Letãs e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia

O tenente Fernando não demorou muito tempo em Porto Velho. Poucos meses, há quem diga menos de dois, mas acabou inserido, certamente sem o querer,  na historiografia local por razões que ele, certamente, nunca imaginou e nem iria querer.
Mas desapareceu sem deixar vestígios. E porque sumiu daquela maneira, nunca explicada, ele não soube de coisas que aconteceram em seguida, com sua geração, com seus amigos.
Para um jovem recém saído da Escola Militar, e de uma cidade grande, o Rio de Janeiro, àquela altura capital da República, vir para Porto Velho, distante e minúscula, com todos os tabus de cidades pequenas, deve ter sido um choque imenso.
Acostumado com o mar, e a outros lazeres comuns às cidades grandes de então, e o Rio de Janeiro era o grande centro político, cultural e esportivo do Brasil dos anos 1940, com certeza ele sofreu muito, e talvez nem tenha tido tempo de se adequar à realidade que passou a viver.
Bom dançarino, risonho, amigo de todos – fato reconhecido até mesmo por alguns ferrenhos “aluizistas”, o tenente Fernando acabou se destacando no pequeno meio social local.
Dentre seus companheiros de farda, uma amizade logo se destacou, a que fez com o sargento Antão Marinho, também da 2a. Rodoviária e que foi com ele e um contingente para a frente de serviço em São Pedro, e com quem sairia para caçar no dia em que desapareceu. Marinho, depois, foi acusado de ter participado do desaparecimento do oficial.

O QUE O TENENTE NUNCA SOUBE
O mundo que o tenente Fernando nunca viu foi muito diferente daquele em que ele viveu o último dia em que almoçou no acampamento da 2ª Rodoviária Independente, e saiu para caçar.
Por exemplo, o Tenente Fernando não soube da senhora Enola Gay, que teve pintado o nome dela na fuselagem de um avião B-29 comandado pelo seu filho Paul Tibbet  que lançou no dia 6 de agosto, sobre Hiroshima/Japão, a primeira bomba atômica empregada sobre uma cidade, e que, a partir de então, o mundo nunca mais seria o mesmo, ou que tudo isso aconteceria oito dias depois daquele domingo, 29 de julho, em que o oficial do Exército saiu do acampamento onde se encontrava, na frente de serviço da 2ª Companhia Rodoviária Independente que abria a estrada Amazonas/Mato Grosso, para caçar um inambu.
O tenente Fernando também nunca soube o resultado do campeonato carioca de futebol daquele ano, nem que seu time de coração, o Flamengo, sob a batuta do “Dotô Rubis” seria novamente campeão.
Em Porto Velho ele também nada soube do Ypiranga, clube criado em 1919, que naquele ano ganharia o primeiro campeonato de futebol promovido pela Federação de Desportos do Guaporé, do recém-instalado Território Federal do Guaporé.
Nem da professora Carolina Gardênia Rebelo de Figueiredo, a primeira mulher de Rondônia a ser brevetada como piloto de avião pelo aeroclube que funcionava no aeroporto do Caiari em 1947,e também a primeira local a pilotar uma aeronave, na viagem até Guajará-Mirim.
Nem que o município de Santo Antonio do Alto Madeira deixaria de existir, naquele ano de 1945, e suas terras seriam incorporadas a Porto Velho, porque isso aconteceu só a 17 de outubro daquele ano.
Ele nunca mais veria sua mãe que, após seu desaparecimento, veio a Porto Velho e, em sua homenagem, o  seu motorista, soldado e poeta Walter Bártolo compôs uma música, “Mãe sofredora” que, mais tarde ele cantaria inclusive no programa do Chacrinha, no Rio de Janeiro.
Nem que seus pais vieram a Porto Velho onde fizeram uma peregrinação visitando pessoas que conheceram seu filho, ou que ela depositou uma foto dele em cada altar da igreja do Sagrado Coração de Jesus.
Ou que, num gesto de  coragem, conforme narrou o próprio Bártolo, designado motorista dos pais do oficial, sua mãe, ao saber que uma pessoa citada em cartas pelo seu filho como um grande amigo,  e que estava sendo torturado  pelos que vieram tentar encontrá-lo,  pediu que parassem com aquilo porque não acreditava  que a pessoa submetida a tortura tivesse participado do desaparecimento.
O tenente, porque desapareceu naquele 29 de julho de 1945, nunca  soube que esse fato acabaria se transformando em seguidas citações políticas nas disputas eleitorais do Território Federal do Guaporé e daí em diante, na luta entre os aluizistas, cutubas, e os adversários, peles-curtas, e que  70 anos depois de sumir esse fato ainda seria tratado como um tabu por pessoas ligadas aos cutubas.
E ainda que seu desaparecimento suscitaria tantas versões, algumas descabidas, e que seu comandante na 2ª Independente, o então capitão Ênio Pinheiro, em 1997 já general da reserva, surpreenderia os membros do Instituto Histórico e Geográfico e da Academia de Letras de Rondônia com citações que os participantes não compreenderam bem.
Porque desapareceu naquele domingo, o Tenente Fernando nunca soube que 15 anos depois um presidente, que fora militar também, mandaria abrir a rodovia Cuiabá-Porto Velho.
E  que cinco anos depois, em 1965, o presidente Castelo Branco criaria uma unidade de engenharia do Exército, o 5º Batalhão de Engenharia e Construções que ficaria responsável pela manutenção aberta da rodovia que depois passou a ser identificada por BR-29.
Também ele nunca soube que pouco mais de um ano depois de seu desaparecimento o governador Aluízio Ferreira, contra quem a oposição lançou fortes suspeitas de envolvimento no caso, seria eleito como primeiro deputado federal do Território.
Finalmente, o tenente Fernando nunca soube que alguns de seus colegas de turma seriam, 20 anos depois, atores principais do movimento militar de 1964.

Amanhã:
TENENTE FERNANDO – 70 ANOS DESAPARECIDO (8)

Até um padre participou das buscas na selva
TENENTE FERNANDO – 70 ANOS  DESAPARECIDO (6)
As muitas versões de um caso nunca explicado
Lúcio Albuquerque

Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da
Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia


versões para todos os gostos para explicar – ou será para confundir? – o desaparecimento do tenente Fernando Gomes de Oliveira, na tarde de domingo, 29 de julho de 1945. Apesar de todas as varreduras feitas por tropas do Exército com apoio de mateiros, de boatos de toda a ordem, só se tem certeza de duas coisas.
1 – O tenente Fernando desapareceu.
2 – Ninguém tem uma versão definitiva sobre como ele sumiu.
Todas as versões geraram uma confusão que qualquer investigador não teria muitas linhas de trabalho para definir como a coisa aconteceu. O jornalista Euro Tourinho, do jornal Alto Madeira, descarta uma delas, a de que o oficial sumiu para que se concretizasse a ameaça que teria sido feita pela Mãe de santo Esperança Rita que, ao ter seu terreiro praticamente destruído pela patrulha comandada pelo tenente Fernando, teria dito que ele iria pagar.
“Essa versão de que tudo foi um castigo dos orixás não tem fundamento”, disse Euro ao falar do assunto, mas uma importante figura religiosa garante que “os encantados da floresta podem ter cumprido a ameaça de Mãe Esperança”.
O GENERAL ÊNIO PINHEIRO

Fazia 51 anos que o tenente-engenheiro do Exército Fernando Gomes de Oliveira, sumira nas selvas na região de São Pedro.

Em 1997, por ocasião do centenário do nascimento do coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, o general Ênio Pinheiro, sem que ninguém o provocasse, perante membros da Academia de Letras de Rondônia em reunião no gabinete do vice-governador Aparício Carvalho e na presença do governador Valdir Raupp, negou que Aluízio tenha tido algo com o desaparecimento daquele oficial. A citação pegou de surpresa os participantes e causou algum mal-estar.
(Mais ou menos como quando você chega em casa e seu filho lhe diz: - Não fui eu quem quebrou o jarro. Ninguém perguntou)
Mas, para entender o que aconteceu, é preciso voltar no tempo e se situar numa época já distante, quando Porto Velho tinha menos de 6 mil habitantes e quem mandava e desmandava, sem contestação, era o governador Aluízio Pinheiro Ferreira.
Naquela época, de comunicação rápida só havia o telégrafo cujas cópias, dizem os mais antigos, se tratasse de assunto de interesse do governador de plantão ia primeiro para ele ler. A Justiça era representada por um juiz, quando havia, e se vivia num período de exceção sob a ditadura de Vargas, amigo de Aluízio Ferreira.
Poucos historiadores locais – afora a professora e historiadora Yêda Borzacov – se aprofundam no caso do tenente Fernando, apesar da repercussão na Imprensa nacional que chegou a mandar a Porto Velho repórteres de primeira linha, dando ao fato uma cobertura enorme, como fez a revista O Cruzeiro. Além disso, o Exército fez diversas varreduras na região onde o oficial desapareceu, inclusive utilizando-se aviões militares e comerciais, tentando sua localização, sem nenhum resultado.
Quem mais se estende sobre o assunto é o (então) capitão Ênio Pinheiro, primo de Aluízio e, àquela altura, comandante da 2a. Companhia Rodoviária Independente e chefe imediato do tenente Fernando, no livro “À sombra de Rondon e Juarez”, em que Ênio narra sua trajetória como oficial da arma de Engenharia do Exército.
Mas também não oferece qualquer linha positiva para uma investigação 70 anos depois.
VERSÕES
O oficial teria sido sequestrado pelos índios Boca-Negra para servir de reprodutor e apurar a raça da tribo
O oficial teria sido vítima de um atentado por pessoas ligadas ao governador
O oficial teria se perdido na mata
O oficial teria sumido num buraco da selva 
O oficial teria sido vítima do ataque de algum animal
O oficial teria sido jogado num rio, amarrado a uma pedra

O oficial teria sido vítima da maldição a ele atirada por uma mãe-de-santo do terreiro Santa Bárbara porque teria, ao comandar uma patrulha do Exército, invadido locais sagrados e quebrado imagens (*).

 Há alguns anos uma mulher teria se apresentado ao historiador Francisco Matias, dizendo ser neta do tenente Fernando e contando que, depois de se perder na selva ele teria seguido em frente até chegar à cidade de Xapuri (AC), onde constituíra família, mas não se pode confirmar a estória ouvida por Matias.

(*) Segundo uma fonte ouvida pelo autor o espírito do tenente Fernando teria se apresentado durante uma sessão num terreiro e pedido desculpas, mas uma importante autoridade dessa religião disse desconhecer o fato.



Amanhã

TENENTE FERNANDO – SETENTA ANOS DESAPARECIDO (7)

As mudanças que o tenente não viu.

domingo, 27 de abril de 2014

TENENTE FERNANDO - 70 ANOS DESAPARECIDO (5)


HISTORIADOR DIZ HAVER OUTROS CASOS MISTERIOSOS

Lúcio Albuquerque

Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da Academia de Letãs e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia


Membro fundador da Academia de Letras e do Instituto Histórico em Geográfico de Rondônia, colunista do jornal Alto Madeira e do site gentedeopiniao.com.br, o professor aposentado de História e Geografia da Amazônia, Abnael Machado de Lima disse, em coluna publicada a 4 de julho de 1912, que o sumiço do tenente Fernando Gomes de Oliveira é outro “lamentável episódio” dentre outros ocorridos em nossa Rondônia, “convenientemente transformados em inexplicáveis mistérios, dentre eles”.
O súbito falecimento do Peixotinho, Diretor dos Correios e Telégrafos, na residência do major Aluízio Pinheiro Ferreira, Superintendente da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ao sorver uma xícara de café, quando deste foi se despedir na véspera de viajar a Manaus, para depor no inquérito policial militar sobre o pagamento com dinheiro falso os serviços hospitalares prestados aos ferroviários pelo Hospital São José, denunciado pelo Padre João Nicoletti, seu diretor. O Peixotinho alardeava que iria expor a verdade. Atestado de óbito: Fulminante colapso cardíaco.
O desaparecimento, sem deixar vestígios, de 70 (setenta) italianos contratados pela empresa P & T Collyn, para a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, os quais revoltados com a empresa, a abandoná-la adentrando à noite à floresta da margem esquerda do Rio Madeira, com o propósito de alcançarem a República da Bolívia, jamais foram vistos.
O assassinato do engenheiro João de Deus funcionário da Ceron, foi meu aluno, na véspera de viajar a Brasília, onde entregaria aos competentes órgãos um dossiê de sua autoria sobre as irregularidades nos serviços realizados em Ji-Paraná, por uma empresa contratada pela Ceron, exigindo a devolução do pagamento efetuado e o cancelamento do contrato.
O assassinato do Senador da República Olavo Pires, metralhado diante de grande quantidade de pessoas, quando chegava ao prédio sede do seu comitê eleitoral situado na avenida Jorge Teixeira, uma das mais movimentadas da capital. Estava cotado para ser eleito governador do Estado. O autor do crime e os seus mandantes, tornaram-se mistério, virou novela reprisada em cada campanha eleitoral.


O desaparecimento do tenente Fernando
O Tenente Fernando Gomes De Oliveira, jovem engenheiro militar, chegou em Porto Velho como membro da 2ª Companhia Rodoviária Independente, em 1945, sob o comando do Capitão Ênio Dos Santos Pinheiro, incumbida de dar prosseguimento à construção da rodovia Amazonas/Mato Grosso, iniciada em 1º de agosto de 1932, pelo então Tenente do Exército Aluízio Pinheiro Ferreira, Diretor da ferrovia Madeira-Mamoré, alcançando são Pedro do Rio Preto, à 90Km de Porto Velho, sendo paralisada na primeira década de 1940, por falta de recursos financeiros.
Para comandar o destacamento de São Pedro foi designado o Tenente Fernando, o qual numa tarde de domingo penetrou na floresta para caçar, acompanhado pelo cabo Antão e um soldado, sendo a última vez que foi visto, desaparecendo misteriosamente e para sempre no interior da densa floresta. Segundo seus acompanhantes, previamente eles combinaram que cada um seguiria uma direção e se reencontrariam na rodovia após o prazo de quatro horas de caçadas. Conforme o combinado o primeiro a sair da floresta foi o soldado, em seguida o cabo Antão. Aguardaram mais de uma hora e como o Tenente não apareceu, julgaram que ele teria ido para o acampamento sem os esperar. Dirigiram-se para este, não o encontrando, concluíram haver se perdido. Conforme narrou o Walter Bártolo que, como soldado, foi testemunha dos acontecimentos no acampamento, os dois acompanhantes entregaram suas armas para serem examinadas, comprovando não terem sido usadas. O Subcomandante comunicou o fato via telégrafo ao Comandante da Companhia em Porto Velho, onde se organizou grupos de buscas compostos por militares e civis iniciando-se a procura em todas as direções: na floresta, nas margens do rio e ao longo da estrada, retornando cada um à noite quando não havia mais visibilidade. O ambiente era de inquietação e pesar.
As buscas continuaram por conta do Exército apoiado pela Aeronáutica. Das expedições participando o Capitão Gerson Gomes De Oliveira irmão do desaparecido, militares e jornalistas norte-americanos, o Padre Jose Francisco Pucci (Padre Chiquinho) e o seringalista João Chaves sem encontrarem o menor vestígio do Tenente Fernando.
As mais absurdas hipóteses e descabidas invencionices foram aventadas para explicarem o desaparecimento, tais como:
Teria sido morto e ocultado o seu cadáver, por ordem do major Aluizio Pinheiro
Ferreira, por ter o Tenente seduzido uma das suas muitas amantes; ou por ter impedido o embarque de um dos tratores da companhia, com destino a uma mineração aurífera, no Pará, da qual o Major Aluizio era sócio; teria sido engolido por uma sucuri; teria sido transposto para outra dimensão pelos orixás em represália por ter ele ,com seus amigos, espancado os filhos e filhas de santos, furado os atabaques e conspurcado o santuário (Pegi), do Terreiro de Santa Bárbara da Mãe de Santo, Rita Esperança; teria subido numa árvore e nesta como se estivesse dopado, alheio ao tempo e aos movimentos em seu entorno, morreu de inanição (Otaviano Cabral no livro de sua autoria "História de uma Região); teria sido morto por dois irmãos agricultores moradores nas proximidades do acampamento, os quais foram presos e torturados, confessando terem matado o Tenente, o confundido com uma anta. Removidos de Porto Velho para Belém a Auditoria Militar mediante tão estapafúrdia confissão e o método empregado para sua obtenção, os inocentaram devolvendo-os livres para sua morada na floresta; teria sido raptado pelos índios Boca-Negra para servir de reprodutor. Noticiaram em 1948 os jornais de são Paulo e do Rio de Janeiro; teriam indígenas raptado o Tenente Fernando para apurar a raça (Jornal “O Globo” em 15 de outubro de 1957); teria sido vítima de uma queda num fosso dos muitos existentes na floresta, dos quais a pessoa fica impossibilitada de por si própria alcançar a superfície, como também de ser encontrada (General Ênio dos Santos Pinheiro, ex-comandante da 2ª Rodoviária Independente em um encontro informal em 1997, na Vice Governadoria Estadual no qual me encontrava).
A pesquisadora Wanda Hanke, após contatar moradores dos vales dos rios Preto, Branco e Jamari, nas adjacências do funesto episódio, escreveu sobre o Tenente Fernando: “Em verdade foi vítima de vingança de certos brancos”. (Desbravadores, 2ª edição, 2º volume, página 245, autor Vitor Hugo)”.


Amanhã: As muitas versões de um caso nunca explicado

SEU BENU

AUSÊNCIA DA INEXISTÊNCIA

O material foi passado ao seu Benu pelo jornalista Ciro Pinheiro, do jornal Alto Madeira. Era um ofício de julho de 2007 encaminhado ao jornalista pela Superintendência Estadual de Turismo, de Rondônia, onde era explicada a razão de não ter havido a reunião prevista.
Com nossos cumprimentos, comunicamos que a reunião agendada para o dia 10 de julho fica cancelada, face à ausência da  inexistência de pauta”.

Seu Benu quer que o redator explique o que significa ausência da inexistência.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

TENENTE FERNANDO – 70 ANOS DESAPARECIDO (4)


Busca nunca concluída, sempre sem resultados


Lúcio Albuquerque

Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da
Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia



Em 2005 o funcionário público Walter Bártolo (*) falou sobre o caso do tenente Fernando. E repetiu que estava no acampamento quando o oficial saiu com duas pessoas para caçar um inambu, e desapareceu. Foi a mais longa e detalhada narração sobre o sumiço, de todas que o autor ouviu.
Ele contou que a comunicação do desparecimento do oficial foi feita de imediato ao capitão Ênio Pinheiro, comandante da 2ª Companhia Rodoviária Independente, e que só dois dias depois é que chegou a primeira equipe para procurar.
“Eu ainda vejo, 60 anos depois, o Marinho (sargento Antão Marinho) virar as pedras do dominó em cima da mesa improvisada numas latas de querosene e entrar na mata acompanhado do tenente Fernando”.
Em julho de 1945, quando o tenente Fernando desapareceu, Walter Bártolo era cabo-motorista da 2a. Companhia Rodoviária Independente, dirigindo um caminhão-tanque que levava combustível de Porto Velho para a frente de serviço, então localizada a 45 KM da cidade, próximo à localidade de São Pedro.
“Era uma viagem de 45 quilômetros e quase um dia para chegar de um ao outro ponto, ficando pior ainda quando chovia”, lembra Walter Bártolo, citando que os caminhões de então estavam muito longe da tecnologia dos  veículos atuais. A narrativa a seguir é do próprio Walter Bártolo.
“O acampamento era no fim da linha, na realidade uma picada aberta na selva e o núcleo mais próximo era o seringal Caritiana, mas não havia estrada para lá”.
“As buscas foram grandes, feitas por tropas do Exército ajudadas por mateiros da região, mas tudo em vão”. Segundo ele foram feitos muitos esforços. “O governador Aluízio Ferreira conseguiu que todos os aviões que pousavam em Porto Velho fizessem sobrevoos na área onde o tenente sumira, tudo em vão”.
“Se tentou de tudo. Um grupo de índios veio fazer tratamento no hospital São José, em Porto Velho, e o jornalista Carlos Mendonça, diretor do ALTO MADEIRA, entrevistou alguns e garantiu ter ouvido deles que havia na selva um “homem das estrelas”, o que se interpretou como sendo o tenente Fernando”.
“A tripulação de um avião da “Cruzeiro do Sul” relatou ter visto, numa aldeia na região de Jaci-Paraná um homem branco e alto que poderia ser o oficial. Houve buscas e nada confirmado.
Quando a matéria saiu na Imprensa, o capitão Gerson, irmão do tenente Fernando, também oficial do Exército, veio a Porto Velho  à frente de um grupamento de buscas que contava com uma equipe do 5o. Grupamento de Salvamento do exército americano especializada em incursões na selva e praticamente passou direto para a região de São Pedro (o jornalista Euro Tourinho garante que tentou, sem conseguir, ir com o grupo, que foi para a região com enorme provisão de equipamentos e armas, especialmente metralhadoras). “O grupo do capitão Gerson matou muito índio”, narrou Walter Bártolo.
O INQUÉRITO
Walter Bártolo continuou: “O Exército abriu um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar o desaparecimento do oficial, tendo como presidente o major Levi. O Marinho, o Preto Pensador e um irmão do Pensador apanharam muito no xadrez da 3a. Companhia. O major batia de murro de baixo para cima no queixo deles que tiveram as unhas arrancadas com alicate, mas não contaram nada”.
Bártolo diz que dona Amatilde, mãe do tenente Fernando, tentou intervir a favor do sargento Marinho. “Ela entrou no local do inquérito e mostrando as cartas em que o Fernando dizia que o Marinho era o melhor amigo de seu filho, pedia para o major parar a tortura”.
Ela, segundo  Bártolo, mostrava as cartas e dizia: “Este homem é amigo do meu filho. Meu coração de mãe me diz que ele não tem culpa”. De nada valeu. O sargento Marinho foi mandado para Belém onde respondeu a processo na 8a. Região Militar.
(O historiador Abnael Machado garante ter ouvido de uma pessoa, há poucos anos, que o sargento Antão Marinho às vezes era visto perambulando pelas ruas de Belém, possivelmente embriagado, dizendo ter sido ele quem matou o tenente Fernando).
Já no final da década de 50 um boliviano conhecido apenas por Baltazar, apareceu dizendo ter visto o tenente Fernando vivendo com índios da tribo Paakás-Novos, na região de Guajará Mirim. “Foram feitas novas buscas e outra vez nada se comprovou. Tudo falso”, lembra Walter Bártolo.
Walter Bártolo encerra sua narrativa. Ele diz não acreditar que o governador Aluízio Ferreira tenha tido qualquer participação no desaparecimento do oficial. Prefere ficar com a tese de que o envolvimento de Aluízio no caso tenha sido obra do grupo de oposição ao então governador.
“Chegaram a dizer que o Aluízio teria intervido para retardar o envio de uma equipe de buscas, mas a demora aconteceu realmente porque estavam todos empenhados na visita do embaixador americano”, acrescenta Walter.
Bártolo não acredita na tese de que o oficial tenha desaparecido em razão da ameaça que a mãe-de-santo Esperança Rita possa ter feito a ele. Nem que tenha sido assassinado ou que haja qualquer envolvimento de uma disputa por uma mulher entre o oficial e o governador.
Para Bártolo a opção mais correta do sumiço do tentende Fernando é que ele tenha desaparecido sequestrado pelos índios boca-negra, para depurar a raça. “Há muitas citações de casos similares na nossa região”, diz ele.

(*) – Walter Bártolo – seresteiro, funcionário público, ex-prefeito de Ji-Paraná, ex-deputado estadual constituinte – 1983. Entrevista concedida em sua residência, ao historiador Francisco Matias, aos jornalistas Adaídes – Dadá – dos Santos, Fábio Só e ao repórter Lúcio Albuquerque

Amanhã 
TENENTE FERNANDO – 70 ANOS  DESAPARECIDO (5)

As muitas versões de um caso nunca explicado

quinta-feira, 24 de abril de 2014

DATAS DE RONDÔNIA

DE 19 A 23 DE ABRIL

Dia 19 – Em 1907 – A empresa May, Jeckyll & Randolph, construtora da Madeira-Mamoré, se instala no local conhecido como Porto Velho dos Militares, mais tarde Porto Velho (Francisco Matias – Pioneiros – Ocupação Humana e Trajetória Política de Rondônia).
Dia 19 – Em 1944 – Fundada a cooperativa central dos Seringalistas do Guaporé LTDA., tendo como presidente o associado Homero de Castro Tourinho (Antonio Cantanhede, Achegas para a História de Porto Velho).
Dia 19 – Em 1944 - O governador Aluízio Ferreira assina o Decreto 14, criando o Serviço de Navegação do Madeira (Antonio Cantanhede, Achegas para a História de Porto Velho).
Dia 20 – Em 1870 – O imperador D. Pedro II concede ao coronel George Earl Church autorização para construir uma ferrovia margeando as cachoeiras do Rio Madeira (Esron Menezes, Achegas para a História de Rondônia)
Dia 21 –  Em 1971 – O pesquisador Frederico Monteiro Álvares Afonso se instala em Ouro Preto e inicia o plantio do cacau na região (Vitor Hugo, Cinquenta anos do Território Federal do Guaporé)
Dia 21 – Em 1974 – O Incra inicia a implantação do projeto Burareiro, na região de Ariquemes (José Lopes de Oliveira – Rondônia, Geopolítica e Estrutura Fundiária)
Dia 22 – Em 1500 – Data oficial em que o navegante português Pedro Álvares Cabral chegou à costa brasileira (Nelson de Figueiredo Ribeiro, A Questão Geopolítica da Amazônia)
Dia 22 – Em 1983 – O governador Jorge Teixeira dá posse aos primeiros conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e do primeiro procurador geral do MP de Contas (Alexandre Badra, 10 anos do Tribunal de Contas do Estado)

Dia 23 – Em 1974 – João Carlos Marques Henriques Neto toma posse como governador do Território (Tereza Chamma, Caelndário de Guajará-Mirim)

TENENTE FERNANDO – 70 ANOS DESAPARECIDO (3)


A selva engole o oficial, caçando um inambu

Lúcio Albuquerque

Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da
Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia

Domingo, 29 de julho de 1945. São 15 horas e em Porto Velho todos seus habitantes, à frente o governador Aluízio Pinheiro Ferreira e o capitão Ênio Pinheiro, primo do governador, comandante da 2ª Companhia Rodoviária Independente, estão na margem do Rio Madeira para receber, com toda a pompa, o embaixador norte-americano Adolpho Bergory, cujo hidroavião vai amerissar em frente à cidade.

Para a população era um momento muito especial, só superado por outro, cinco anos antes, quando o presidente Getúlio Vargas e comitiva amerissaram em frente ao então município de Porto Velho. Agora era o representante do Tio Sam e da recepção constavam a tradicional visita às instalações da ferrovia Madeira-Mamoré, o desfile cívico-militar e outras atividades do gênero para bem impressionar o ilustre visitante.
A 50 quilômetros dali no sentido Ariquemes, na localidade de São Pedro, onde está a vanguarda dos trabalhos de abertura da rodovia Amazonas/Mato Grosso, vai acontecer um fato que se transformará num emaranhado e, por extensão, colocar um personagem que praticamente passaria em branco na História de Rondônia, no centro de um drama que envolve um enredo de versões e levantar suspeitas sobre a biografia do principal líder político que já existiu na região, o coronel Aluízio Pinheiro Ferreira.
Naquela hora desapareceria o 1º tenente engenheiro do Exército Fernando Gomes de Oliveira, comandante do grupamento mais avançado da 2ª Companhia Rodoviária Independente.
Setenta anos depois, apesar da varredura feita pelo Exército, com apoio de tropas norte-americanas especializadas em busca na selva, uma pergunta ainda está sem resposta:
Que fim levou o tenente Fernando?
As versões para o sumiço são várias: sequestrado por índios, devorado por alguma fera, sumido num buraco na selva, vítima da vingança de uma mãe-de-santo ou simplesmente teria se perdido na mata.
Mas, talvez até por injunções políticas, o maior envolvido foi o então governador do Território Federal do Guaporé Aluízio Ferreira, e há duas versões para esse envolvimento: 1) a de que o tenente teria se envolvido na disputa por uma mulher que seria do agrado do governador; 2) porque o oficial teria ameaçado denunciar Aluízio sobre o suposto desaparecimento de um trator da 2ª Rodoviária Independente durante o transporte fluvial de Belém a Porto Velho.
Aluízio, no entanto, conforme documentos diversos,  chegou a ser elogiado por autoridades militares pelo empenho demonstrado, mobilizando meios disponíveis no Território para tentar encontrar o tenente Fernando, sem sucesso.
 O historiador Esron Penha de Menezes, por diversas vezes, e o funcionário público Walter Bártolo, este em entrevista concedida ao autor, ao historiador Francisco Matias e ao jornalista Adaídes – Dadá – dos Santos, repetiam sempre a mesma coisa: que o envolvimento de Aluízio Ferreira com o sumiço do oficial só teria surgido durante a disputa política a partir de 1947 quando se formaram dois grupos, o aluizista conhecido por cutubas e a oposição, chamada pele-curta.
Bártolo,  várias vezes garantiu que estava no acampamento quando do desaparecimento do tenente Fernando. Na entrevista ele disse: "Nós estávamos jogando dominó quando ele saiu para caça, chamou dois companheiros e uns 30 minutos depois os dois voltaram dizendo que o tenente havia desaparecido".

Amanhã:  TENENTE FERNANDO – 70 ANOS  DESAPARECIDO (4)
Uma busca nunca concluída, mas sempre sem resultados

TENENTE FERNANDO – 70 ANOS DESAPARECIDO (2)

Porto Velho, 1945. O Território tem seu primeiro escândalo

Lúcio Albuquerque

Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia


Criado pelo Dec/Lei 5.812/13.9.1943, o Território Federal do Guaporé (*), composto por terras dos estados do Amazonas e de Mato Grosso, completara 18 meses de instalação (janeiro de 1944), contando dois municípios, Porto Velho (ex-AM) a capital, e Guajará-Mirim (ex-MT), e já enfrentava em julho de 1945 seu primeiro grande escândalo – um escândalo que se transformou em várias versões e 70 anos depois não foi esclarecido, o sumiço do tenente Fernando Gomes de Oliveira.

                                                                Jovem declama em honra a Vargas (paletó branco)
                                                              na escadaria do Cine Teatro Resky (Foto cedida pelo
                                                                        historiador Esron Penha de Menezes ao autor)

O presidente Getúlio Vargas, em 1940, atendendo convite do superintendente da Madeira-Mamoré Aluízio Pinheiro Ferreira,  com uma comitiva de ministros, assessores e jornalistas deixou Manaus, onde pronunciara o “Discurso do Rio Amazonas” e veio a Porto Velho, para ficar por três horas, mas permaneceu do dia 10 a 12 de outubro, conheceu a cidade, e até visitou o trecho da rodovia “Amazonas/Mato Grosso”, à altura do KM 8 da atual BR-364 sentido sul), obra que vinha sendo tocada a mando do próprio Aluízio.
Aluízio Ferreira não era só o primeiro brasileiro administrador da ferrovia. Para usar uma expressão generalizante, conforme diziam os daquele tempo, literalmente “aqui ele casava e batizava”. Sua palavra era a lei, e são muitos os casos e causos contados sobre essa figura a quem Rondônia deve muito, mas que precisa ser analisado dentro de dois focos distintos, “o homem” e “o mito”.
Desde 1912, quando foi inaugurada a ferrovia e houve a queda da venda da borracha, Porto Velho, ainda município amazonense, tivera reduzida sua atividade econômica. A criação Território dera à região um novo oxigênio, retomando o desenvolvimento e aumentara sua população, fruto do Acordo de Washington que garantiu meios para o Brasil explorar a borracha amazônica necessária para abastecer as tropas Aliadas na II Guerra Mundial, depois dos japoneses terem conquistado os seringais de cultivo no Extremo Oriente.
A cidade ganhara sua segunda agência bancária, a do Banco da Borracha (atual Banco da Amazônia) – a primeira agência fora do Banco do Brasil, e o Segundo Ciclo da Borracha, de curta duração porque acabou quando os japoneses se renderam em agosto de 1945, serviu para dar outra feição aos dois municípios de então.
Porto Velho e Guajará-Mirim tinham como grande fonte econômica o extrativismo vegetal e a ferrovia Madeira-Mamoré. Àquela altura aviões da empresa Condor – depois Cruzeiro do Sul, já incluíam as duas cidades em suas rotas, com seus hidros descendo nos rios Madeira e Mamoré.
Nas duas cidades ainda não havia uma efervescência política, até mesmo porque os partidos estavam proibidos desde a Revolução de 1930, apesar de algumas lideranças guajaramirenses não terem ainda absorvido bem o fato de o Território ter sido feito com partes de terras do Amazonas e de Mato Grosso, contrariando o documento encaminhado pelos líderes da “Pérola do Mamoré” ao presidente da República, em 1937, reivindicando a criação de um Território só com áreas matogrossenses e a capital em Guajará-Mirim. O presidente determinou aos órgãos ministeriais a análise e a emissão de um parecer sobre a proposta encabeçada pelo líder Paulo Saldanha.

Aluízio Ferreira fora comandante do Forte de Óbidos na Revolução de 1924  (em razão de seu grupo ter perdido, fugiu e homiziou-se na região do Rio Guaporé e, depois, foi reintegrado ao Exército) e o primeiro brasileiro a administrar a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Numa época em que praticamente não havia Justiça local, os governadores e empresários cometiam arbitrariedades e desmandos, porque o Tribunal funcionava no Rio de Janeiro, muito distante haja vista não haver meio de comunicação afora o
telégrafo ou o avião que passava, talvez, uma vez por semana. Não havia rádio local e o único jornal era o Alto Madeira, criado em 1917 sucedendo O Município, de 1915, mas que em 1936 o AM foi adquirido pelo magnata das comunicações Assis Chateaubriand.
Naquele ano de 1945 o contingente do Exército era representado pela 3ª Companhia de Fronteiras, cujo comandante era o capitão Antonio Carneiro de Albuquerque Maranhão, e o capitão Ênio Pinheiro ,parente próximo do governador Aluízio Ferreira, era comandante da 2ª Companhia rodoviária Independente.
Em Porto Velho a luz elétrica era desligada às 23 horas. Era comum as famílias ficarem conversando nas calçadas, h, funcionavam alguns bordéis,  e os notívagos e os que gostavam de conversar se encontravam nos clíperes, pequenos bares localizados no meio da Avenida Sete de Setembro.

Lazer como se conhece atualmente praticamente não existia. Quem tinha um aparelho de rádio vivia assediado pelos que não tinham para saber o que estava acontecendo no mundo, e a recepção do sinal nos aparelhos era muito dificultada pela variação das ondas que conduziam a voz dos locutores, mas todos queriam saber como estava a cotação da borracha ou como andava a Segunda Guerra Mundial.
Aos domingos a grande pedida era ir a um cinema ou, para os jovens, ficar circulando nas calçadas da Praça Rondon, no exercício milenar da paquera. Os clubes eram poucos, mas muito ativos. O mais cotado era o Internacional (depois Ferroviário) onde a festa exigia traje passeio e só se começava a dançar depois que o coronel Aluízio Ferreira chegava e abria a noitada.

(*) O Território foi criado com quatro municípios: Porto Velho, Guajará-Mirim, Santo Antonio e Lábrea. Em 1945 Lábrea havia sido devolvido ao Amazonas e Santo antonio foi absorvido como bairro de Porto Velho.


Amanhã: A selva engole o oficial, caçando um inambu

TENENTE FERNANDO – 70 ANOS DESAPARECIDO (1)

Um caso típico de tabu na história de Rondônia

Lúcio Albuquerque

Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da Academia de Letãs e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia


Eu era garoto em Manaus e, além de fazer o que todos os garotos gostam de fazer, instigado pelos meus pais Délio e Zélia, eu também gostava de outra coisa: ler. E foi assim que eu soube, na primeira metade da década de 1950, que um ano antes de eu nascer, num lugar chamado Território Federal do Guaporé, um tenente do Exército chamado Fernando Gomes de Oliveira havia desaparecido. Não lembro nas páginas da revista O Cruzeiro ou se foi no Jornal do Commercio, cuja primeira edição foi em 1904, o mais antigo jornal da Amazônia,.

Até então eu só me interessava pelo Território do Guaporé porque minha mãe dizia que fora em Porto Velho que meu pai havia arrumado uma noiva quando viajava como agente postal dos Correios; porque o Fast Club foi jogar uma vez numa cidade chamada Guajará-Mirim onde viviam índios que atacavam seringueiros. Ou (o que considerava mais importante): quando a seleção de futebol do Guaporé ia a Manaus para jogar no Campeonato Brasileiro de Seleções de Futebol no estádio do Parque Amazonense – e como eu morava na rua atrás do campo tinha duas opções para entrar, pulando o muro ou esperar a bola ser chutada para fora do estádio e disputar a pegada dela para me apresentar ao porteiro e usar a devolução como moeda de troca do ingresso.
Em 1975 quando vim trabalhar em Porto Velho, o diretor do jornal A Tribuna, jornalista e advogado Rochilmer Mello da Rocha, passou uma pauta de assuntos para o primeiro número e, dentre eles, estava o caso do tenente Fernando. A muitas pessoas antigas aqui perguntei: “Você ouviu falar do tenente Fernando?”.

Houve pessoas que disseram saber, mas que não comentavam. “Tem coisa que a gente não fala”, disse um cidadão que, depois, vim saber serviu na 2ª Companhia Rodoviária Independente, à época do desaparecimento.
Nesses quase 40 anos ouvi e li muita coisa sobre o assunto. De mestres da História local como a professora Yêda Borzacov, o jornalista Esron Menezes, o professor Abnael Machado de Lima (os três historiadores), do jornalista Euro Tourinho e do poeta e típico exemplar da própria história rondoniense Walter Bártolo, de muitas outras pessoas, em Porto Velho, Guajará-Mirim, Ariquemes e Candeias, ouvi versões diversas, algumas conflitantes, mas sempre agregando algo novo.
Sei que dificilmente a verdade-verdadeira sobre o sumiço do oficial virá à tona, mas procurei reunir nesta série o máximo de informação que consegui, sempre usando o que tenho praticado em um bocado de anos como repórter: pesquisar, ler, ouvir o máximo de fontes possíveis e, ainda que haja acusações contra alguém, não tomar partido.

O TENENTE

Fernando Gomes de Oliveira era jovem. Oficial engenheiro do Exército, os que o conheceram garantem que ele era alto, forte, bonito. Citam-no como jogador de basquete e atleta de remo de um clube carioca.
Numa cidade com menos de 10 mil habitantes, sua presença certamente foi logo notada e, lógico, para as mães de jovens casadoiras da Porto Velho de então, certamente era o que se dizia àquela época, “um bom partido”, aliás, “o partido ideal” para qualquer daquelas jovens.
O oficial desapareceu quando saiu do acampamento da 2ª Companhia Rodoviária Independente, criada para abrir uma rodovia, de Porto Velho no sentido de Ariquemes, idealizada em 1937 pelo superintendente da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e principal autoridade local, o coronel Aluízio Pinheiro Ferreira.
Por volta das 15 horas daquele domingo, oito dias antes de um avião dos Estados Unidos lançar uma bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima, o tenente Fernando saiu do acampamento para caçar uma inambu e nunca mais foi visto.
Começava ali um drama para sua família, um clima de terror imposto pelos que vieram investigar o desaparecimento – e muitos foram torturados, a inclusão do oficial na cena política do Território – por causa das versões envolvendo o governador Aluízio Ferreira, de sequestro por índios.............
E até uma ameaça velada feita ao autor desta série: “Veja o que você vai publicar sobre o coronel Aluízio.....”


Amanhã: Porto Velho, 1945, o Território tem seu primeiro escândalo


domingo, 20 de abril de 2014

LITERATURA EM RONDÔNIA

CONFISSÕES DE UMA ALMA DO INFERNO

 Edson Jorge Badra (recebendo da esposa dona Zélia o colar da ACLER), professor,
 escritor, poeta, membro fundador  da ACLER ocupa a cadeira número 3. 
Contato: jesusbadra@hotmail.com


Quando surgiu em mim, certa manhã de agosto,
Da regeneração a chama que tanto arde,
Embalou-me uma voz a me dizer com gosto:
- “Regenera-te, sim, mas deixa pra mais tarde!”

Deixei-me seduzir, mas estava disposto,
Quando o dia chegasse, a não bancar covarde.
Nova oportunidade. E, com grande desgosto.
Ouvi a mesma voz a me dizer: “Mais tarde!”

Um dia, abandonei o corpo em que habitava.
Enquanto lá no céu eu a entrada implorava,
Ouvi atrás de mim a voz de Satanás,
Dizendo, a gargalhar, bem cínico e medonho:
- “Não hás de alimentar agora nenhum sonho,
Porque, alma imbecil, já é tarde demais!”

RONDÔNIA - HISTÓRIA EM FOTOS E DOCUMENTOS

FUTEBOL DE PRIMEIRA NO ALUIZÃO
Lúcio Albuquerque - foto cedida pelo atleta Fio


O texto está errado: Da Silva não era zagueiro.Era ponta esquerda.
O futebol portovelhense já teve grandes dias, quando os jogos entre as principais equipes atraíam a atenção da população, especialmente quando se tratava do maior clássico local, o Moto Clube, com sua camisa vermelho e branco contra o Ferroviário com suas cores semelhantes ao Fluminense carioca.
Os treinos eram acompanhados de perto pelos torcedores e os jogadores ficavam concentrados em hotéis. Durante toda a semana o jornalismo esportivo só tratava disso e no dia do jogo, normalmente domingo à tarde, o Aluizão se enchia de bandeiras, de batucada, foguetes, caravanas inteiras percorriam os bairros da cidade cada uma  procurando atrair mais adeptos para seu lado e no jogo a coisa pegava forte.
Eram outros tempos, tempos de antanho. E no dia seguinte o Café Santos era o palco da discussão, da gozação e da jura da vingança, no próximo Moto x Ferroviário, entre o time dos Rocha e o time do capitão Albino.

COISAS QUE ACONTECEM COM A GENTE

LEMBRANÇAS DE OUTRAS SEMANAS SANTAS

Lúcio Albuquerque

            Eu tinha uns sete anos, morava no Beco do Macedo, bairro sem água encanada, sem escola pública nem luz elétrica, e distante de tudo, àquela altura aí por volta de 1954 em Manaus, mas tive em plena sexta-feira santa uma excelente lição de português, aprendida em meio a uma desavença entre meus pais. Resolvi interromper e escrevi um bilhete entregue ao pai: Oje não se briga.
            Serviu para acabar a desavença, dessas que casais têm comumente. Mas não serviu só para isso, porque naquela manhã de uma data em que lembramos o momento singular e que é a base do cristianismo, a ressurreição de Cristo, também serviu para eu tomar o que considero como a melhor lição de português (*)  que tomei na minha vida, porque meu pai fez um bilhete de resposta, no mesmo pedaço de papel:
            Oje é com H.
            Há muitas lembranças de outras semanas santas na minha vida: boas, como a em que casei numa segunda-feira, mas, três anos depois, uma péssima, justo na sexta-feira da paixão minha mãe morreu.
            Naqueles idos, nem faz tantos anos, mas as mudanças comportamentais e valorais foram tantas que parecem fazer milhares de séculos. Havia N coisas que fazíamos na semana santa, inclusive saber que durante o período não levaríamos nenhuma surra – mas aprendíamos rápido que no sábado de aleluia a caderneta seria aberta e aí seria a hora do acerto de contas.
            Durante a semana inteira, até domingo, não comíamos carne – que em Manaus, não sei por qual motivo era chamada de carne verde. Eu, que desde criança nunca gostei de comer frango, passava bem com meu prato predileto, o peixe, e a mão santa da dona Zélia que conseguia, literalmente, tirar leite de pedra na cozinha.
            Aulas só até quarta-feira. Desde o domingo as imagens de santos estavam cobertas. Na sexta-feira em casa não se varria nada, não se falava alto, e – desde quando tivemos nosso primeiro rádio na década de 1960 – o rádio ficava desligado.
            De sexta para sábado quem criava porco, galinha, carneiro, bode, pato, se queria não ser surpreendido com o sumiço desses animais tinha de dar plantão a noite toda, para evitar que, conforme a tradição, fossem furtados. Algumas vezes, sábado pela manhã, até o dono era convidado pelos ladrões a participar do almoço e não foi só uma vez que ali acabou descobrindo que a galinha ou o porco à mesa era seu favorito na criação. Mas aí o jeito era levar na esportiva e jurar que, no próximo ano, teria mais vigilância.
            E a técnica de furtar era bem simples. Naquele tempo criavam-se galinhas nos quintais, com os animais dormindo empoleirados. Na madrugada do sábado era só pegar um pouco de visgo de sapoti ou de caju untar bem numa vara e aí enfiar a dita cuja no poleiro. Quando chegava onde estavam os animais dormindo, era dar uma balançada. Eles trocavam a posição dos pés, pisavam na vara e vinham, sem barulho, para a mão do ladrão que apenas lhe torcia o pescoço.
            Roubar porco também era fácil: o animal, dormindo, alguém chegava nele, acendia um palito de fósforo e deixava que ele aspirasse a fumaça pelas narinas. Acabava ali e aí o trabalho era carregar o bicho – normalmente o escolhido era sempre o mais bonito.
            De sexta para sábado era tempo de serrar velho. a brincadeira consistia em saber em que casa havia um velho doente, podia ser um parente do grupo. Aí nos reuníamos em frente à casa do cidadão e, munidos de um serrote bem velho e um pedaço de tábua passávamos a serrar preparando o caixão. Não poucas vezes a coisa terminava em tiro de sal ou com alguém correndo arás da turma armado com um fio elétrico ou um pedaço de ripa. Aí, debandada geral e depois muitas risadas, rir até dos que tinham levado a pior.
            Sábado era malhar o judas, com uma competição sem julgamento sobre quem fazia o melhor e o mais bonito dos judas. E, como soe acontecer, também os bonecos de judas eram roubados na concorrência, franca e divertida, naquela disputa rua contra rua.
            Aqui em Porto Velho sei pelo menos de uma situação interessante: um grupo resolveu aliviar um porco enorme de um criador ali pelas bandas do Mocambo. Animal grande, resolveram conduzi-lo arrastado. Ao chegarem numa esquina vem descendo uma equipe de policiais, aquela patrulha feita a pé, chamada carinhosamente de bate-pau. Liderando, o subdelegado e jornalista Simeão Tavernard, tido como o melhor dos goleiros que já passou por aqui.
            O Simeão mandou os outros policiais pararem e foi até ao grupo. Naquele tempo não havia luz elétrica como agora. Ele chegou e dois do grupo adiantaram-se. Simeão perguntou o que estava acontecendo. Estamos levando um amigo para casa. Ele bebeu demais, responderam. Simeão foi embora e o grupo foi em frente.
            No sábado bem cedo o Simeão entrou na redação do Alto Madeira, ainda na Rua Barão do Rio Branco, e perguntou a um que estava no grupo: Onde é que vocês vão comer aquele bêbado dessa noite?. 
             A coisa terminou em gargalhadas, durante o repasto na casa de um dos que estavam carregando o bêbado.
           

(*) Tive, não nego, excelentes professores da língua camoniana, meus pais, dentre eles, que me obrigavam a ler e explicar o que tivesse lido, mas aquele fato sempre vem à memória quando lembro das muitas lições que tomei, e que continuo tomando diariamente, o Oje é com H.

sábado, 19 de abril de 2014

LITERATURA DE RONDÔNIA

BAILARINA

João Batista Correia, escritor, poeta, membro da Academia Rondoniense dos Poetas. Contato: joaobcorreia@bol.com.br

Ela Está bailando
Lá na praça
Sorriso cheio de graça
E a plateia a delirar!
Assim, com sorriso,
De menina
Minha linda bailarina
Flutuando
Vai passar!
Sua história
Foi vivida
Aqui na praça,
E na avenida
Com sorrisos
Com meiguices
Muita luta
E sacrifícios
Mais ninguém
Sabe contar!...
Seus dias fantasiados
Sua história abafada
E ninguém sabe
O porquê!...
Esta linda bailarina
Rosto e sorriso
De menina
No fundo uma
Grande mulher!
Esconde sua meiguice
Num bailado alegre e triste
Faz a plateia delirar!
E ela fica extasiada
Seu sorriso se alarga
Há brilho no seu olhar!...
Por favor,
Respeitem a bailarina,
Esta moça, esta menina.
De alegria invulgar!
Por favor!
Vamos respeitar
A bailarina,
Esta moça,
Esta menina

De alegria popular!...