Porto Velho, 1945. O
Território tem seu primeiro escândalo
Lúcio
Albuquerque
Consultor:
Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da Academia de Letras e
do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia
Criado pelo
Dec/Lei 5.812/13.9.1943, o Território Federal do Guaporé (*), composto por
terras dos estados do Amazonas e de Mato Grosso, completara 18 meses de
instalação (janeiro de 1944), contando dois municípios, Porto Velho (ex-AM) a
capital, e Guajará-Mirim (ex-MT), e já enfrentava em julho de 1945 seu primeiro
grande escândalo – um escândalo que se transformou em várias versões e 70 anos
depois não foi esclarecido, o sumiço do tenente Fernando Gomes de Oliveira.
Jovem declama em honra a Vargas (paletó branco)
na escadaria do Cine Teatro Resky (Foto cedida pelo
historiador
Esron Penha de Menezes ao autor)
O presidente Getúlio Vargas, em 1940, atendendo
convite do superintendente da Madeira-Mamoré Aluízio Pinheiro Ferreira, com uma comitiva de ministros, assessores e
jornalistas deixou Manaus, onde pronunciara o “Discurso do Rio Amazonas” e veio
a Porto Velho, para ficar por três horas, mas permaneceu do dia 10 a 12 de outubro,
conheceu a cidade, e até visitou o trecho da rodovia “Amazonas/Mato Grosso”, à
altura do KM 8 da atual BR-364 sentido sul), obra que vinha sendo tocada a
mando do próprio Aluízio.
Aluízio Ferreira
não era só o primeiro brasileiro administrador da ferrovia. Para usar uma
expressão generalizante, conforme diziam os daquele tempo, literalmente “aqui
ele casava e batizava”. Sua palavra era a lei, e são muitos os casos e causos
contados sobre essa figura a quem Rondônia deve muito, mas que precisa ser analisado
dentro de dois focos distintos, “o homem” e “o mito”.
Desde 1912,
quando foi inaugurada a ferrovia e houve a queda da venda da borracha, Porto
Velho, ainda município amazonense, tivera reduzida sua atividade econômica. A
criação Território dera à região um novo oxigênio, retomando o desenvolvimento
e aumentara sua população, fruto do Acordo de Washington que garantiu meios
para o Brasil explorar a borracha amazônica necessária para abastecer as tropas
Aliadas na II Guerra Mundial, depois dos japoneses terem conquistado os
seringais de cultivo no Extremo Oriente.
A cidade ganhara
sua segunda agência bancária, a do Banco da Borracha (atual Banco da Amazônia)
– a primeira agência fora do Banco do Brasil, e o Segundo Ciclo da Borracha, de
curta duração porque acabou quando os japoneses se renderam em agosto de 1945,
serviu para dar outra feição aos dois municípios de então.
Porto Velho e
Guajará-Mirim tinham como grande fonte econômica o extrativismo vegetal e a
ferrovia Madeira-Mamoré. Àquela altura aviões da empresa Condor – depois
Cruzeiro do Sul, já incluíam as duas cidades em suas rotas, com seus hidros
descendo nos rios Madeira e Mamoré.
Nas duas cidades
ainda não havia uma efervescência política, até mesmo porque os partidos
estavam proibidos desde a Revolução de 1930, apesar de algumas lideranças
guajaramirenses não terem ainda absorvido bem o fato de o Território ter sido feito
com partes de terras do Amazonas e de Mato Grosso, contrariando o documento
encaminhado pelos líderes da “Pérola do Mamoré” ao presidente da República, em
1937, reivindicando a criação de um Território só com áreas matogrossenses e a
capital em Guajará-Mirim. O presidente determinou aos órgãos ministeriais a
análise e a emissão de um parecer sobre a proposta encabeçada pelo líder Paulo Saldanha.
Aluízio Ferreira
fora comandante do Forte de Óbidos na Revolução de 1924 (em razão de seu grupo ter perdido, fugiu e
homiziou-se na região do Rio Guaporé e, depois, foi reintegrado ao Exército) e o
primeiro brasileiro a administrar a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Numa época em
que praticamente não havia Justiça local, os governadores e empresários
cometiam arbitrariedades e desmandos, porque o Tribunal funcionava no Rio de
Janeiro, muito distante haja vista não haver meio de comunicação afora o
telégrafo ou o
avião que passava, talvez, uma vez por semana. Não havia rádio local e o único
jornal era o Alto Madeira, criado em 1917 sucedendo O Município, de 1915, mas
que em 1936 o AM foi adquirido pelo magnata das comunicações Assis
Chateaubriand.
Naquele ano de
1945 o contingente do Exército era representado pela 3ª Companhia de
Fronteiras, cujo comandante era o capitão Antonio Carneiro de Albuquerque
Maranhão, e o capitão Ênio Pinheiro ,parente próximo do governador Aluízio
Ferreira, era comandante da 2ª Companhia rodoviária Independente.
Em Porto Velho a
luz elétrica era desligada às 23 horas. Era comum as famílias ficarem
conversando nas calçadas, h, funcionavam alguns bordéis, e os notívagos e os que gostavam de conversar
se encontravam nos clíperes, pequenos
bares localizados no meio da Avenida Sete de Setembro.
Lazer como se
conhece atualmente praticamente não existia. Quem tinha um aparelho de rádio
vivia assediado pelos que não tinham para saber o que estava acontecendo no
mundo, e a recepção do sinal nos aparelhos era muito dificultada pela variação
das ondas que conduziam a voz dos locutores, mas todos queriam saber como
estava a cotação da borracha ou como andava a Segunda Guerra Mundial.
Aos domingos a
grande pedida era ir a um cinema ou, para os jovens, ficar circulando nas
calçadas da Praça Rondon, no exercício milenar da paquera. Os clubes eram
poucos, mas muito ativos. O mais cotado era o Internacional (depois
Ferroviário) onde a festa exigia traje passeio e só se começava a dançar depois
que o coronel Aluízio Ferreira chegava e abria a noitada.
(*) O Território foi criado com
quatro municípios: Porto Velho, Guajará-Mirim, Santo Antonio e Lábrea. Em 1945
Lábrea havia sido devolvido ao Amazonas e Santo antonio foi absorvido como
bairro de Porto Velho.
Amanhã: A selva engole o oficial, caçando um inambu
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