A FORÇA DO VOTO DA BR-364
Lúcio Albuquerque
(Consultoria do historiador Abnael Machado de Lima)
(Ontem
foi abordada a questão política rondoniense no período pós-1964, até 1972,
quando foi eleita a primeira mulher para mandato parlamentar no Território)
Foi na eleição de 1976 que Rondônia
conheceu a força política das comunidades ao longo da rodovia BR-364. Naquele
ano aconteceu a terceira disputa (contadas a partir de 1969) pelas vagas à
Câmara porto-velhense, quando ainda as terras do município se estendiam até
Vilhena: dos 13 vereadores, sete vieram daquele distritos, um de Vilhena, um de
Pimenta Bueno, um de Cacoal, um de Presidente Médici, dois de Vila Rondônia (em
1977 Ji-Paraná) e um de Ouro Preto.
Naquela eleição um fato chamou a atenção:
A monolítica liderança do deputado federal Jerônimo Santana, eleito em 1970 e
reeleito em 1974, começou a ser desafiada por um grupo do próprio MDB, formado
por vereadores de Porto Velho, incentivados pelo secretário-geral do partido
Enjolras Araújo Veloso, que criticavam a forma como Jerônimo dirigia o regional
– à época, quando já se falava muito na criação do Estado, houve citações de
que Santana estava começando a temer a sombra
representada pelo grupo.
E a razão para o problema pode ter
sido como incentivado o fato do deputado ter passado a dar mais atenção a um
grupo de candidatos, hostilizando os vereadores, cisão que ficou bem clara
quando formaram-se duas alas, uma conduzida pelo próprio Santana e outra
liderada por Enjolras contando com os vereadores Luis Lessa Lima, Cloter Mota, Abelardo
Castro e Paulo Struthos Filho (dos quatro só Lessa não foi reeleito).
Nos comícios o grupo de Jerônimo realizava
num bairro da cidade e a ala rebelde
em outro. Contados os votos, o deputado perdeu, porque apenas um do seu grupo,
o advogado Itamar Moreira Dantas, foi eleito - o restante da bancada que se
tornou majoritária veio do interior.
Jerônimo Santana tinha sido eleito
duas vezes deputado federal pelo MDB, sempre com o mesmo discurso: a favor da
garimpagem manual, defesa do colono e da criação do Estado (*), além de pesadas
críticas aos governadores. Ele poderia
ter ajudado muito, mas só sabia criticar, atrapalhou demais, disse em sua casa em Brasília o ex-governador
Humberto Guedes (1975/1979) em conversa sobre sua administração. Humberto
Guedes foi o responsável pela estruturação do projeto do Estado, conforme
assessores que trabalharam com ele e que fizeram parte da equipe do seu
sucessor Jorge Teixeira.
O livro O Jantar dos Senadores (em fase de edição final, do autor Lúcio Albuquerque, presente àquela convenção) contém um
capítulo sobre a escolha dos candidatos do MDB e da ARENA em 1978. Trechos a
seguir:
A
PRIMEIRA DERROTA DO DR. BENGALA
Em
1978 o presidente Ernesto Geisel fez aprovar mensagem que abriu mais uma vaga a
deputado federal para os Territórios. Cada partido poderia indicar até quatro
candidatos. Líder do partido oposicionista, Santana, conhecido pela alcunha de Doutor
Bengala, não acatou a sugestão da ala jovem que queria indicar um nome dentre
os quatro candidatos, e lançou uma chapa composta por ele próprio, Walmi Daves
de Moraes, Carlos Alberto – Melhoral - dos Santos e Mário Bohemundo Braga. A ala
jovem decidiu pagar para ver.
Na
época as comunicações eram muito difíceis, mas mesmo assim foram feitos
contatos telefônicos com os convencionais do interior que viriam para a convenção.
Na noite da véspera, e na madrugada do dia da convenção do MDB, o
secretário-geral Enjolras Araújo Veloso e os vereadores Cloter Mota, Paulo
Struthos e Abelardo Castro deram plantão na estação rodoviária, então
funcionando num terreno da esquina das ruas Sete de Setembro com João Goulart,
para receber os convencionais vindos dos municípios da BR e de Guajará-Mirim.
Cloter Mota (discursando) ouvido pelo vereador João Bento, presidente
da Teleron Sílvio Santiago, vereador Amizael Silva, diretor da Ceron José
Gomes de Melo, vereador Itamar Dantas e prefeito (paletó escuro) Sebastião Valladares.
De
lá levaram a maioria dos convencionais para um hotel, e no dia seguinte no
pequeno espaço da velha Câmara Municipal, na ladeira Comendador Centeno, o
grupo apresentou sua chapa: Enjolras, Abelardo e Struthos (a quarta vaga era do
candidato natural, o próprio Jerônimo). Os rebeldes venceram.
A
disputa interna do MDB foi facilitada pelo próprio Santana que mandava entregar
entrega nas casas um folheto, o Jornal do Deputado, sobre seu trabalho em Brasília e sempre criticando os vereadores
eleitos em 1972 pelo seu partido. Isso gerou uma situação de choque.
O
Jerônimo fica em Brasília e nós aqui é que sentimos a pancada, porque nós é que
estamos no dia a dia com a população, o governador e o prefeito, reclamava
o vereador Cloter Mota.
Ao
ser anunciado o resultado da convenção, foi notório o constrangimento de Santana. Sentado num canto,
encolhido, o até então todo-poderoso Doutor
Bengala assistiu a proclamação e à festa dos vencedores. E ainda teve de
aturar os seus discursos a lhe garantir apoio, mimoseando-o, chamando-o de grande
líder. Jerônimo deve ter se sentido como
a rainha da Inglaterra, aquela
que governa, mas não manda. No dia seguinte
Enjolras e Struthos desistiram, e dos rebeldes ficou apenas Abelardo na chapa.
Foi
uma demonstração de força de uma ala que crescia no partido, e que ficou pior
quando Santana importou o empresário Múcio Athaíde para ser candidato a
deputado federal na primeira disputa do Estado, em 1982. Ao trazer Ataíde, Jerônimo
deu o troco a Enjolras, retirando-o da secretária-geral do sucedâneo do MDB, o
PMDB, o que gerou mais ressentimentos.
Na ARENA, rompido
com o governador Humberto Guedes, que não queria participar do processo
eleitoral, o presidente regional Odacir Soares indicou a seguinte chapa: ele
mesmo, os vereadores de Porto Velho Antonio Leite e João Bento e o bancário guajaramirense
Isaac Newton. Odacir já era tratado por deputado em suas idas à Câmara Federal
antes da disputa. Na convenção um tumulto: alegando ter um documento que lhe
havia sido enviado via fax pelo ministro do Interior Maurício Rangel Reis, o
coronel Carlos Augusto Godoy exigia uma vaga na chapa, mas ficou de fora.
COMO SE FABRICA UM DEPUTADO
(Capítulo do livro O Jantar dos Senadores que narra a
política rondoniense de 1912 a 1998, em fase de edição final, do autor Lúcio
Albuquerque).
Isaac Newton era um funcionário do Banco do Brasil, semi-gago,
morador de Guajará-Mirim. As chances de ser eleito eram tantas quanto à de um
elefante passar num buraco de fechadura. Mas o governador Humberto Guedes,
conforme se falava abertamente àquela altura, teria recebido de Brasília a
determinação de participar do processo eleitoral, mesmo contra sua vontade, e
de apoiar qualquer, um menos Odacir.
Guedes decidiu encarar os fatos: escolheu Isaac e
colocou a máquina administrativa para trabalhar a favor dele, com o vital apoio
do capitão Sílvio Gonçalves de Faria, senhor todo-poderoso do Incra que
detinha, então, a melhor estrutura e o melhor orçamento dentre todos os órgãos
do Território, mais que o próprio governo territorial.
Em 20 dias de campanha, levando o desconhecido funcionário do
Banco do Brasil a tiracolo, Guedes ganhou a parada e humilhou Odacir que teve
de contentar com uma suplência e assumir a titularidade apenas por um ano,
antes de ser eleito senador em 1982.
Quem esteve envolvido diretamente naquela disputa lembra ainda de
detalhes da eleição de Isaac Newton. Um deles o técnico agrícola do INCRA Paulo
Brandão, o Paulinho do INCRA.
Vinte e oito anos depois, em 2006, em frente ao Hotel Nacional em
Pimenta Bueno, Paulinho do Incra ria muito ao contar como foi cooptado para
fazer campanha por Isaac, que ele nem
conhecia e de quem nunca tinha ouvido falar.
Um dia fui convocado para uma reunião em Porto Velho com o
governador Humberto Guedes e o capitão Sílvio Farias, meu chefe no Incra. Os
dois me comunicaram da decisão. Eu nem pude opinar, lembrou Paulinho.
E continuou: Eu era responsável pela ação do Incra
na faixa de Pimenta Bueno a Vilhena e até Pimenteiras. Fui
informado que iria ser o coordenador da campanha do Isaac e que ele nem iria
lá. Ganhar ali era responsabilidade minha, disseram.
Eu nunca havia feito discurso e
estava em Colorado para a estréia. Não saía nada da minha garganta até que
alguém da platéia jogou uma piada e eu disse que era para votar no nosso
candidato. Peguei um papel qualquer e balancei no ar, lembrando que se ele não
ganhasse os colonos não receberiam o documento que lhes dava direito à terra
que ocupavam. Meu discurso acabou aí. No final, o candidato que a gente nem
conhecia ganhou de lavada. Ordem dada e executada.
Encerrada a contagem de votos de
1978 o MDB reelegia Jerônimo Santana. Isaac Newton, autêntico azarão político,
com apoio do governador Humberto Guedes e do INCRA, foi eleito pela ARENA e
ganhou seu espaço na política local.
Isaac (de óculos, vibrando) em meio aos deputados logo após a aprovação
do projeto que criou o Estado de Rondônia.
No meio, Santana a quem Isaac acusa de não ter votado a favor do Estado.
Odacir ficou fora e teve de
contentar com assumir depois, como suplente durante um ano, mas ele não queria
sair e eu tive trabalho para reassumir meu mandato, lembrou
Isaac Newton 30 anos depois, em sua casa, em Manaus.
Em 1981 foi criado o Estado e a
primeira eleição nessa condição em Rondônia foi em 1982, mas a partir de agora
é outra História política.
(*) O governador do Território era
nomeado pelo presidente da República, por indicação do ministro do Interior.
(**) Em entrevista concedida ao
autor desta série, o ex-deputado federal Isaac Newton (ARENA, 1979/1983)
repetiu que Santana absteve-se na votação do projeto de criação do Estado,
mesmo com o apelo que Isaac diz ter feito para que votasse a favor. Depois da
votação – Isaac Newton afirmou – Santana tentou mudar seu voto, mas a questão
já estava encerrada.
Amanhã
1964 EM RO (7 –
Final)
O LEGADO DO MOVIMENTO
MILITAR EM RONDÔNIA
O recheio disso tudo sei que o livro dará. Por isso, o aguardo com expectativa. Há fatos políticos entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, ainda não plenamente esclarecidos. A frase de Paulinho Brandão a respeito do "desconhecido Isaac" caracteriza o jeito de se lançar candidato situacionista, ainda em período de exceção. Sua percepção da história naquele período, aliada ao seu trabalho investigativo, nos brindará com o belo presente.
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