1964 EM RO (2)
Na primeira parte desta série viu-se como era Porto Velho na
primeira metade da década de 1960, como foi aquela terça-feira 31 de março e a
mobilização que acontecia então.
O HOMEM INVISÍVEL
ENTRA EM AÇÃO
Ninguém sabe explicar como ele chegou,
nem quando chegou. Há quem diga que o
homem invisível viera de Manaus com ordens para fazer o que fez, ou que só
aqui, onde teria vindo como pagador do Exército, é que recebera a determinação
de agir. Pode ter vindo no sábado e ficado até terça-feira, apenas observando
e, por isso, ninguém prestou atenção nele.
Na época havia em Porto Velho a
3ª Companhia de Fronteira, comandada pelo major Carlos Augusto Godoy – que em
1990 foi candidato a vice-governador na chapa liderada pelo senador Olavo
Pires, assassinado durante a disputa. Godoy tinha muitos laços com Rondônia,
comandara a guarnição de Guajará-Mirim onde casara com uma jovem filha de
família tradicional da Pérola do Mamoré.
Em Porto Velho, como em outras
cidades do país, havia sindicatos atuantes, os estudantes eram congregados na
União dos Estudantes de Rondônia e um de seus dirigentes era o aluno João Lobo,
do Carmela Dutra, participante ativo, como outras lideranças estudantis e de
trabalhadores, das reuniões que todos os sábados aconteciam na casa do
jornalista Dionísio Xavier, o Velho Dió, que
se revezava nas orientações depois da feijoada semanal com outro comunista
enviado junto com Dio para organizar o PCB aqui, o contabilista Cloter Saldanha
da Mota.
Os dois eram os principais oradores das reuniões a que compareciam
muitos vizinhos do bairro da Arigolândia , onde pontilhava duas outras
lideranças, Otávio Félix e Zacarias, recorda o historiador Abnael Machado
de Lima, membro da Academia de Letras de Rondônia, ACLER, então professor do
Carmela Dutra.
Naquele tempo funcionavam células
identificadas como comunistas, havia
também a ala ligada ao deputado federal carioca Leonel Brizola, o Grupo de Onze
O HOMEM MISTERIOSO TEM NOME E MISSÃO
O homem misterioso tinha nome: Era o capitão-engenheiro do Exército
Anachreonte Coury Gomes, conforme cita o historiador Francisco Matias, em Pioneiros , lembrando que em razão da
viagem ao Rio de Janeiro do governador Abelardo Mafra, que foi preso naquela
cidade, Na administração do Território ficara o secretário Eudes Camponizzi
que, conforme Matias, foi persuadido pelo
capitão a adoecer.
No dia 30 de março ele foi até ao colégio
Carmela Dutra, conversou com a diretora, professora Marise Castiel, e pediu
para falar com o professor Dourival de Souza França, das cadeiras de Português
e Francês, Ela chamou o professor Dourival e os dois se trancaram na sala da
diretoria onde conversaram durante mais de uma hora,recordou Abnael.
No início da noite de 31 de março
o homem que ninguém sabia quem era e nem o que estava fazendo, chegou à redação
do jornal Alto Madeira, ainda na velha sede da Rua Barão do Rio Branco. Na
porta estava o diretor, jornalista Euro Tourinho que, meio século depois, ainda
se lembra.
Anachreonte deu boa-noite, perguntou se era ali o jornal Alto Madeira e
puxou conversa. Quis saber sobre o deputado federal (PTB/AM e líder do
partido na Câmara) Almino Afonso. Eu
disse a ele que o Almino foi garoto
criado aqui entre nós, seu pai foi prefeito. O visitante também queria
saber sobre o deputado federal Renato Borralho de Medeiros.
Depois fez sua apresentação: Capitão Anachreonte, da Arma da Engenharia, vindo de Manaus onde servia no 27º
Batalhão de Caçadores. A seguir disse de sua missão e perguntou se poderia
entrar e usar a sala do diretor para uma reunião.
Disse a ele que poderia usar e a seguir chegou meu irmão Luiz Tourinho
que foi convidado pelo capitão a ir com ele a alguns locais da cidade. Mais
tarde houve uma reunião em que o capitão anunciou sua condição de interventor,
destituindo o governo e indo à Prefeitura, onde pegou as chaves do prédio e deu
ordem para ninguém entrar.
Ainda naquela noite o interventor
nomeou os membros do novo governo, além dele, conforme Pioneiros: Mário de Almeida
Lima, secretário-geral (espécie de vice-governador) e diretor administrativo;
Luiz Tourinho, assessor de Imprensa e porta-voz do governo; Dourival de Souza
França, chefe de gabinete; Ely Goraieb, diretor da Divisão de Segurança (função
similar hoje a secretário de Segurança; Divisão de Saúde médico Leônidas Rachid
Jaudy; Educação, Lourival Chagas da Silva; Obras, almon Viana Tabosa; Serviço
de Geografia e Estatística Rubens Cantanhede Mota; Serviço de Navegação do
Guaporé, Wilson Hayden; prefeito de Porto Velho, Hamilton Raulino Gondin;
comandante da Guarda Territorial Eduardo Lima e Silva; delegado, Orlando
Freire; prefeito de Guajará-Mirim Clementino Gomes(*).
Mas a população só tomou
conhecimento de que alo estava acontecendo efetivamente a partir da
quarta-feira, 1º de abril, quando patrulhas mistas do Exército e da Guarda
Territorial circulavam pela cidade, impedindo reuniões nas esquinas, prendendo
gente e bloqueando ruas. As prisões
aconteciam mais à noite, quando uma viatura com a patrulha chegava, os soldados
batiam na porta e aí quem estava procurado era levado preso, os membros do
governo deposto para o quartel da Guarda, no bairro Arigolândia, e os
comunistas e outros agitadores eram levados para o cassino dos oficiais da 3ª
Companhia, recorda o jornalista Euro Tourinho.
Segundo vários testemunhos, o
capitão Anacrheonte era uma pessoa afável. Como interventor ficou apenas alguns
dias até ser substituído pelo coronel Cunha Menezes, que só andava a cavalo e
usava sempre um rebenque. Em seu Governo, pelo Decreto 434, de 26 de março de
1965 foi instituído o 5 de maio, data de aniversário de Candido Rondon como o Dia de Rondônia e, também, criada a
Ordem do Mérito Marechal Rondon, conforme matéria assinada pelo professor
Abnael Machado em 2009 no jornal Alto Madeira.
Em suas primeiras medidas o
interventor (como se auto-intitulava e sem qualquer documento comprovando isso)
Anacrheontem, determinou várias prisões. Quando visitava uma escola, se não
havia professor para uma turma, ele perguntava qual o assunto que estavam
estudando e aí aplicava a matéria
(*) Um dos convidados, médico,
foi procurado na noite do dia 31. De pijamas, morador numa casa no bairro do
Caiari, e teria levado um susto ao se confrontar com uma patrulha mista da 3ª
Cia com a Guarda Territorial. Pensando que estava sendo preso, teria apontado para
a casa vizinha e dito que o comunista
mora ali do lado.
(Causo citado ao autor, dentre
outros, pelo jornalista Euro Tourinho, pelo advogado Rochilmer Rocha e pelos
historiadores Esron Penha de Menezes e Abnael Machado de Lima).
Amanhã:
1964 em RO (3)
Dois amigos: um prendeu o outro na porta do avião
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