O LEGADO DE 1964 PARA RONDÔNIA
Lúcio Albuquerque
Consultoria: Historiador Abnael Machado,
membro fundador do instituto Histórico de Rondônia e da Academia de Letras de
Rondônia
Nelson Rodrigues, teatrólogo, jornalista, filósofo, dizia que toda
unanimidade é burra. Dizem os mais experientes que uma coisa
nunca é tão inteiramente má ou não é tão inteiramente boa. Concordo com as
duas assertivas, razão pela qual acolhi sugestões a respeito do tema deste
capítulo, O legado de 1964 para Rondônia.
É comum ouvir de antigos moradores de Guajará-Mirim e Porto Velho que 1964, no
caso específico de Rondônia representado pelos militares do 5º BEC, foram
cometidos atos que atentaram conta a história e a tradição nessas duas cidades.
O mais exponencial é o fim da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Os militares jogaram
no Rio Madeira equipamentos e documentos, e quando acabou a ferrovia, famílias
moradoras nas pequenas comunidades por onde o trem passava ficaram no abandono, tenho ouvido desde
que cheguei aqui para ficar três meses, e já se vão lá quase 40 anos, mas
sempre são citadas questões como a remoção dos moradores do Baixa da União, da
assunção da área onde é o quartel do batalhão e algumas outras. Mas ele, como
outras pessoas consultadas, concordam que o 5º BEC teve um papel fundamental
para o desenvolvimento regional, com destaque à abertura e/ou manutenção de
estradas vitais para Rondônia e Acre.
O historiador Abnael Machado de Lima lembra o caso do fechamento da URES, União
Rondoniense de Estudantes Secundários, cujo presidente o estudante João Lobo
foi preso. Foi um episódio
lamentável que cerceou a formação da consciência política da juventude, lembra Abnael, ele próprio membro
ativo da entidade, sendo um dos redatores do jornal O Estudante.
Meio século depois ainda não esquecemos as humilhações que sofremos, as a que
foram submetidas pessoas da nossa sociedade, lembra o historiador. Em 2005 João
Lobo, que presidia a URES em 1964, e foi preso, dizia em entrevista ao projeto Testemunha da História ao falar daqueles dias
que bem poderiam se
enquadrar no livro Eu,
réu sem crime de Seixas
Dória, governador sergipano de 1964. Nós
também sofremos sem ter culpa e só porque queríamos ter voz ativa na sociedade.
Para o historiador Antonio Candido,
a maneira como se deu a extinção da ferrovia Madeira-Mamoré foi o fato mais
violento, como também diz o romancista Paulo Saldanha.
1964 em Rondônia deixou suas marcas, mas, mesmo de pessoas ligadas ao Partido
Comunista – não esse que está aí e que é só a sigla, mas ao pessoal do pecebão, ou partidão,com as quais o autor
conversou, praticamente não encontrou muitas citações de violência.
E quando confrontados a pergunta sobre ganhos e perdas, pessoas como Cloter
Mota, João Lobo, Dionísio Xavier e José de Oliveira Barroso, o Carmênio, que
não era membro do pecebão, admitiram
que aqui não houve violência física, apesar de ter ocorrido forte pressão
psicológica capazes de influenciar toda uma geração, mas que, para Rondônia,
houve fatos positivos.
ADMINISTRAÇÃO
No período 1944/1964 tivemos 18 governadores para 20 anos. De 1964/1981 tivemos
9 governadores, sendo que os dois últimos – Humberto Guedes de 1975 a 1979 e
Jorge Teixeira de 1979 a 1985, ficaram 8 daqueles 17 anos, o que gerou um fator
muito importante para a organização de qualquer coisa, a continuidade
administrativa, permitindo planejamento a longo prazo e sua aplicação.
Um fato da maior importância no
período Humberto Guedes foi a contratação de milhares de jovens recém-formados,
trazidos para Rondônia e – esse diferencial pesou muito para o desenvolvimento
das novas comunidades, a sua interiorização, enraizando-os e permitindo a
presença do governo inclusive nos Nuares (*), alguns distantes mais de 50
quilômetros do eixo da rodovia BR-364.
A
BR-29
Em 1960 o presidente JK atendeu ao apelo do governador Paulo Leal (RO) e do
governador Manoel Fontenele (Acre) e mandou construir a BR-29 (364), reduzindo
distâncias e dando ao Brasil a oportunidade de conhecer este lado de cá do
país. Como rescaldo da construção começaram a surgir pequenas comunidades ou
fortalecer outras já existentes e que eram apenas postos telegráficos da
epopeia implantada pelo Marechal Rondon entre 1907 e 1909, mas a BR estava
literalmente sendo engolida pela selva. Sem qualquer dúvida sua construção foi
o divisor de águas para o desenvolvimento da região.
O
5º BEC
Um ano depois de 1964
- o movimento militar, quartelada, golpe, ditadura,
redentora, ou seja lá como o leitor trate aquele período, o presidente
Castelo Branco manda constituir uma unidade militar que passou a ser denominada
5º Batalhão de Engenharia de Construção, e uma das missões claramente
perceptíveis foi a de manter aberta a rodovia, tanto é que apesar de seu
comando se encontrar em Porto Velho, mantinha contingentes em Vila Rondônia
(Ji-Pàraná) e Vilhena, no sentido sul; Abunã e Rio Branco (esse último no
Acre). Em 1966 o 5º BEC (*) começou a agir.
Jornal Alto Madeira - edição do dia seguinte à chegada do 5º BEC em 1966
Ao 5º BEC ficou o encargo de cumprir a determinação de gerenciar a construção
de uma estrada (a BR-425) que ligasse Abunã a Guajará-Mirim, e que, ao ser
concluída determinou o fim da rolagem dos trens da madevia, o que
aconteceu em 1972, mas gerando ressentimentos que continuam mais de 40 anos depois.
O
PROJETO FUNDIÁRIO RONDÔNIA
Naquele mesmo período o Governo Federal decidiu incentivar a ocupação de sua
fronteira na Amazônia Ocidental, e Rondônia, por ser a porta de entrada,
acolheu milhares de famílias no período 1967 a 1987, o que gerou
desenvolvimento, mudança de costumes e o próprio Estado. Isso só foi possível
graças à aplicação do Projeto Fundiário Rondônia, coordenado pelo agrimensor
Sílvio Gonçalves de Farias, militar do Exército aonde chegou ao posto de
capitão. Sem qualquer dúvida, foi aquela equipe, constituída por jovens
recém saídos dos cursos técnicos ou faculdades, sob a coordenação do capitão
Sílvio, aliado ao apoio do Governo Federal, que permitiu o sucesso da
empreitada que gerou vários projetos de assentamento e colonização, o
surgimento de mais de 45 municípios e o próprio Estado
O trabalho do INCRA em Rondônia tem seu melhor relato no livro RONDÔNIA –
Geopolítica e Estrutura Fundiária, escrito por José Lopes de Oliveira (lopesoliveira12@yahoo.com.br), engenheiro agrônomo do INCRA(**)
A
ECONOMIA
Em 1960 o censo (do
IBGE) mostrou que Rondônia contava com pouco mais de 70 mil habitantes e dois
municípios. Em 1981, quando da criação do Estado, já estava em quase 500 mil,
um crescimento superior a 70% gerado pela chegada de milhares de famílias
migrantes que se instalaram, em sua imensa maioria, ao longo da BR-364 sentido
sul e foram abrindo picadas para um lado e para o outro em busca de novas
terras, provocando enormes mudanças em todos os sentidos.
A borracha era o motor da economia rondoniense até a colonização da BR-364
Historicamente, desde a metade do Século XIX
até 1964 a economia rondoniense tinha a mesma base: o extrativismo vegetal que,
a partir de 1960, com a descoberta da cassiterita, gerou também o extrativismo
mineral. Com a chegada dos migrantes esse quadro mudou, passando a economia ter
mais força na produção de bens de consumo alimentar, na extração da madeira e,
no aumento do comércio para atender esse novo mercado, trazendo consigo outras
atividades complementares.
UNIVERSIDADE
Antonio Cantanhede,
em Achegas para a história de Porto Velho cita que ainda
por volta de 1920 lideranças locais já falavam em instalar uma escola de nível
superior, mas isso só iria acontecer na década de 1970 com a implantação da
Fundacentro, da prefeitura porto-vilhenense. Na mesma década começaram a
funcionar extensões das universidades federais do Acre, do Pará e do Rio Grande
do Sul.
Ministra Esther Ferraz, do MEC, cumprimenta reitor
Euro Tourinho Filho ma implantação da UNIR
Em 1983, já na condição de Estado, o Ministério da Educação instalou a
Universidade Federal de Rondônia, UNIR, tendo como seu primeiro reitor o reitor
professor Euro Tourinho Filho.
HIDRELÉTRICA
Um problema sério na região, e que ficou muito pior com o crescimento enorme a
partir da década de 1960, era o da energia elétrica. Mesmo em Porto Velho
faltava e era de baixa qualidade a energia fornecida. Na década de 1990, com o
funcionamento da hidrelétrica de Samuel, a capital foi beneficiada e em 1994,
no governo Osvaldo Piana Filho, a interligação de Samuel, através do linhão,
permitiu que esse drama acabasse, pelo menos nos municípios no eixo da BR
sentido sul e Guajará-Mirim, oferecendo a oportunidade do fortalecimento da então
incipiente agroindústria.
COMUNICAÇÕES
Um setor altamente
beneficiado no período pós-1964 em Rondônia foi o das comunicações. O sistema
telefônico era precário e pior quando se tratava de interurbano. Com a
constituição da Teleron esse quadro mudou e Rondônia passou a ter telefonia não
só nas cidades maiores, mas também nas pequenas vilas e distritos.
Esse
benefício chegou pela instalação, inicialmente, do sistema de tropodifusão e, a
seguir, pela transmissão via satélite, através da Embratel, sendo que na área
de televisão o sinal direto começou a chegar no dia da abertura da Copa do
Mundo de 1978.
OPINIÕES
Zé Carlos Sá, jornalista, blogueiro (http://banzeiros.blogspot.com.br): O legado deixado pela Revolução de 1964 para
Rondônia é grande, a começar pelo incentivo de povoamento dessa imensa região,
pela manutenção aberto do acesso terrestre, ligando Rondônia ao restante do
país. O asfaltamento da BR-364 também se deve aos militares.
Hugo Evangelista, escritor, advogado: Houve alguns excessos por aqui, mas menores
do que se teve conhecimento em outras regiões. Quanto ao legado não se pode
negar que foi positivo para Rondônia, é só comparar o que éramos e as obras que
construíram, especialmente modificando e ampliando o fator econômico, a
ocupação do solo e outros benefícios.
Antonio
Candido, professor, membro da Academia de Letras de Rondônia - ACLER: Se você quer uma opinião sobre o legado
do "período da revolução" nós temos a as melhorias da BR-364, a
rodovia Porto Velho-Guajará, a criação do Estado de Rondônia, o desenvolvimento
agrícola.
Euro Tourinho, diretor do jornal Alto
Madeira e membro honorário da ACLER: Negar
que Rondônia teve benefícios é querer negar a história. Claro que houve
excessos, mas para o então Território houve melhoras importantes e a maior
delas foi atender à antiga reivindicação da criação do Estado.
Abnael Machado, historiador, professor
aposentado da UNIr na cadeira de Geografia e História da Amazônia, colunista do
jornal Alto Madeira e do site gentedeopiniao.com.br: Honestamente não se pode
desconhecer que os governos militares realizaram projetos que permitiram o
desenvolvimento econômico e social da região alcançando resultados positivos. Ele destaca a ação do INCRA no assentamento
dirigido de migrantes, a mudança do sistema econômico do extrativismo vegetal
para a agroindústria, a criação de dezenas de municípios, a implantação da
UNIR.
José Lopes de Oliveira,
engenheiro-agrônomo, advogado, escritor, ex-executor do INCRA: O período
trouxe enormes mudanças benéficas para Rondônia e uma que marcou foi o projeto
desenvolvido pelo INCRA, sob comando do capitão Sílvio Gonçalves de Faria, que
permitiu que em Rondônia acontecesse a única aplicação real de reforma agrária
no Brasil, e que deu certo.
Paulo Cordeiro Saldanha, romancista, membro da ACLER e da academia
Vilhenense de Letras, colunista do site gentedeopiniao.com.br: O conjunto de
ações benéficas do período foi coroado com a criação do Estado, o que aconteceu
pela soma de trabalho de vários governadores, o esforço daqueles que moravam e
dos que vieram para cá, o planejamento feito pelo governador Humberto Guedes e
cuja implantação final ficou a cargo do seu sucesso Jorge Teixeira.
Paulo
Saldanha ainda enumera: A ação
distributiva de um INCRA revolucionário, atuante, competente e voluntarioso,
que agia em cima do planejamento decidido, com efeitos positivos no alcance
social, gerando a substituição da forma de economia e provando que na Amazônia
era possível produzir gêneros alimentícios em larga escala; a vinda de
recursos, transformado em audacioso programa desenvolvimentista denominado Polonoroeste,
com ações múltiplas; a integração da região, via telecomunicações, um esforço coroado
de êxito, seja por conta dos serviços telefônicos, seja pela Televisão,
atitudes tomadas desde o Governo Marques Henrique; a pavimentação da BR-364,
favorecendo, dest’arte a integração geopolítica da nova unidade criada em 1981
com o centro-sul do País.
(*) Nuar – Núcleo
Urbano de Apoio Rural, funcionando num prédio de madeira, em forma redonda
sendo que em seu interior havia uma administração, um postinho de saúde,
agência dos Correios, algumas vezes até um Posto Telefônico. Instalado em
locais distantes mais de 25 quilômetros do eixo da BR-364, eles também tinham função
social. Uma grande parcela dos municípios fora do eixo da BR-364 no sentido sul
foram gerados a partir desses nuares.
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