NOS TEMPOS DO QUARTO DA MADAME
(Da série Coisas que acontecem com a gente)
Sou dos que pensam que o dia
de amanhã, apesar de não saber o que vai acontecer, sempre será melhor que o de
hoje que, mesmo tendo problemas, já foi melhor do que ontem. Pois bem: não sei
se já aconteceu com você, mas comigo ocorre e me pego fazendo como que uma
viagem pelo tempo.
E foi numa dessas viagens, enquanto eu passava por uma
sessão de fisioterapia com quatro peças coladas nos meus joelhos e, sem ter
mais o que fazer, até porque acabara de concluir ali mesmo a leitura de Mandela – conversas que tive comigo, e
fiquei viajando. E rindo de uma lembrança com quase 50 anos passados.
Foi aí que a Márcia, fisioterapeuta, entrou na sala e antes
de desconectar aquele festival de fios perguntou do que, e por que eu estava
rindo. Respondi que era do final do livro, dei uma desculpa e lá fomos nós para
a sala de aplicação de raio laser.
Mas eu estava rindo é porque comecei a comparar os
cubículos da clínica de fisioterapia com outro que frequentei no tempo que já
faz tempo. Era, como este de agora, um espaço assim de 2 metros de comprimento
por pouco mais de um de largura, separado do anterior e do posterior por um tabique
a 20 centímetros
do chão, permitindo ouvir o que estava acontecendo do outro lado.
A questão é que comecei a lembrar quando era aí por volta
do início dos anos 1960, na ainda acanhada Manaus, onde motel não existia e
você, se tivesse uma companheira e não quisesse ir ao motel calango, nem tinha
outro lugar para levar, o jeito era encarar casas de algumas mulheres que
alugavam quartos.
Imagine a situação da
minha lembrança de 50 anos passados. Era complicado um casal ir para o clima ouvindo os ruídos e
outros sons comuns nesses casos. Não sei se você já passou por isso, mas
naquele tempo, apesar de trabalhar, a grana não era tanta e muitas garotas não
queriam ir para um quarto num ambiente em que, como se dizia antigamente, não
era lugar para moça. Em Manaus onde era fácil encontrar quarto desocupado, numa
rua bem central, mulher que entrasse naquela área proibida ficava mal falada.
Nos dias de segunda a quinta-feira, nos cubículos da
madame, sempre se chegava e encontrava vaga. Às vezes a demora era apenas para
que a madame virasse o colchão e trocasse a água da bacia onipresente em lugar
estratégico ao lado da cama.
Mas se era de sexta a domingo, dias em que a lotação sempre
estava mais que esgotada, antes de receber da madame a ansiada autorização para
entrar num dos quartos, o jeito era aguardar, numa sala apertada, cada casal
encolhido num canto enquanto esperava a vez, um olhando para a cara do outro.
Imagine a cena!
E quando chegava sua
vez eram apenas 20 minutos. Não tinha jeito, e o jeito era logo partir para os
finalmente. Naquela condição o jeito era aplicar aquela máxima atribuída aos
ingleses, de que time is time. Quando dava 20 minutos a madame batia na
porta com força, danem-se que os casais ficassem atrapalhados: Seu tempo acabou! Saia que tem
gente esperando! E se
tivesse gente esperando mesmo não adiantava tentar ficar mais 20 minutos,
porque ela mandava você entrar na fila de novo.
Algumas vezes, mesmo reclamando muito, você estava assim
(como dizer?) topando qualquer parada, aí ia para a sala, esperar outra vez a
sua vez. Na sala de espera os que estavam na fila eram ciosos do cumprimento do
tempo. E quando ia chegando aos 20 minutos era comum um dos casais da espera,
muitas vezes o que estava na vez, alertar:
OLHAÍ, MADAME! ACABOU O TEMPO
NO QUARTO NÚMERO 2!
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